Por que nós, arquitetos, devemos entender e nos preocupar com o carbono?

Sim, eu sei. Temos falado muito sobre carbono. E não só aqui, mas por todo lado lemos sobre efeito estufa, dióxido de carbono, combustíveis fósseis, sequestro de carbono e diversos outros termos que têm entrado, cada vez mais, nos nossos cotidianos. Mas por que o carbono é tão importante e o que nós, arquitetos, estudantes de arquitetura ou entusiastas do tema, temos a ver com algo que parece tão intangível?

Teremos que voltar às aulas de química e à tabela periódica, e peço desculpas por isso. O carbono é um elemento químico que tem a capacidade de se combinar com outros para formar moléculas. Quando um átomo de carbono se liga a dois oxigênio, ele forma o dióxido de carbono (CO2, também conhecido como gás carbônico). O dióxido de carbono é um gás incolor e inodoro, o que em si não é ruim. Torna-se prejudicial quando o equilíbrio dos produtos químicos no ar é perdido e o CO2 é liberado em grandes quantidades. Por meio da fotossíntese, as plantas absorvem esse CO2, retendo o carbono e liberando o oxigênio (O2). Os animais, ao contrário, inalam oxigênio e liberam dióxido de carbono. Cerca de 18% do nosso corpo e 50% das plantas são compostos de carbono, o quarto elemento químico mais abundante.

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Reducing emissions from the construction sector is critical to tackling climate change. First Nations Longhouse was assessed as part of a University of British Columbia Embodied Carbon pilot study. Image © Steve Evans. Courtesy of naturallywood.com

Por milhares de anos, plantas e animais nasceram e morreram, e seus restos mortais foram enterrados naturalmente. No subsolo, recebiam pressão e calor, transformando-os nos chamados combustíveis fósseis; eventualmente, eles se tornaram valiosas fontes de energia, suprindo as necessidades cada vez maiores dos seres humanos. Petróleo, gás natural e carvão são exemplos de tais combustíveis fósseis. Eles são altamente ricos em carbono e queimá-los retorna o carbono originalmente armazenado para o ar.

O carbono também está naturalmente presente na atmosfera. É especialmente comum na forma do referido dióxido de carbono, mas também como monóxido de carbono, metano (CH4) e clorofluorcarbonos (CFC). Esses gases são vitais para nossa sobrevivência, pois absorvem parte do calor do sol que é irradiado pela superfície terrestre. Esse “efeito estufa” é o que preserva uma temperatura adequada para a manutenção da vida no planeta Terra.

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Carbon Cycle. Image Cortesia de naturallywood.com

Com a industrialização acelerada das últimas centenas de anos, a humanidade vem explorando e utilizando massivamente os combustíveis fósseis, liberando na atmosfera grandes quantidades de carbono que antes eram armazenados no subsolo ou nas plantas. Atualmente, existe um grande desequilíbrio entre o que é lançado na atmosfera e o que é novamente absorvido. A principal consequência disso é o acúmulo de carbono, fazendo com que mais calor seja absorvido na atmosfera, contribuindo para o aumento da temperatura da terra e a consequente e temida mudança climática.

Mas, para quem se pergunta o que isso tem a ver conosco, é porque como arquitetos trabalhamos em um dos setores que mais contribui para a emissão de gases de efeito estufa. Os edifícios geram quase 40% das emissões globais anuais de gases de efeito estufa, 11% na construção e 28% nas operações de construção. [1] Uma vez que as taxas atuais de urbanização projetam um grande crescimento nas próximas décadas para acomodar o crescimento da população urbana, reduzir as emissões do setor de construção é fundamental para enfrentar a mudança climática.

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2nd growth reforestation after harvesting on the central coast of British Columbia Canada. Image © Candace Kenyon. Courtesy of naturallywood.com

Cada produto ou material tem uma "pegada" de carbono, alguns mais do que outros. A madeira é um bom exemplo: durante o crescimento de uma árvore, quantidades significativas de carbono são armazenadas na árvore, o que cria um “crédito de carbono”. Depois de ser cortado, manuseado, transportado e instalado, uma quantidade desse carbono é liberada na atmosfera, mas pode ser menor do que o que a árvore consumiu durante sua vida. Para ajudar a quantificar o impacto ambiental de cada uma de nossas decisões de design, existe o conceito de carbono nos materiais. Refere-se às emissões de gases de efeito estufa associadas à fabricação, manutenção e demolição de uma estrutura e é normalmente quantificado em quilogramas de dióxido de carbono equivalente (kg CO2 eq).

A avaliação do ciclo de vida (ACV, ou do inglês, Life Cycle Assessment - LCA) é o método mais aceito para mensurar os impactos ambientais de um produto em toda a sua vida útil, incluindo aí sua operação. Permite calcular os impactos ambientais decorrentes da fabricação e do transporte dos materiais de construção, do seu processo construtivo, das atividades relacionadas ao seu uso e manutenção e renovações, demolição e destinação final dos resíduos. O carbono incorporado é uma das categorias mais importantes na LCA, que também reporta os encargos ambientais ao longo da vida, como a criação de smog, poluição da água e geração de resíduos.

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Flow diagram illustrating the building life cycle stages and beyond. Image via UBC Embodied Carbon Pilot: Study of whole building life cycle assessment processes at the University of British Columbia

O LCA pode ser aplicado a qualquer tipo de produto, incluindo edifícios como um todo ou seus componentes individuais. Quando todo o projeto de construção é considerado holisticamente em um exercício de LCA - ao contrário de LCA aplicado apenas a partes do edifício - pode ser referido como Whole Building Life Cycle Assessment (WBLCA). Ele permite que as equipes de projeto e as partes interessadas entendam melhor a totalidade do impacto ambiental do edifício e as contribuições proporcionais dos principais conjuntos e componentes. Avaliar o carbono incorporado de um edifício inteiro requer acesso aos dados de emissões de carbono para todos os materiais e processos envolvidos em um edifício ao longo de seu ciclo de vida.

Cada edifício é único com materiais, localização, etc. Para desenvolver comparações eficazes entre os edifícios, informações adequadas sobre o desempenho dos edifícios atuais são necessárias como uma referência usando o mesmo escopo e parâmetros. Mas com o intuito de criar metas efetivas incorporadas em construções, é imprescindível dispor de informações adequadas sobre o desempenho dos edifícios atuais, que podem ser usados como referência. Para construir um banco de dados de informações existentes, as avaliações de carbono incorporadas precisam ser conduzidas de maneira consistente, com o mesmo escopo e parâmetros. No Canadá, a University of British Columbia tem conduzido pesquisas há anos sobre o tema. O documento UBC EMBODIED CARBON PILOT: Study of whole building life cycle assessment processes at the University of British Columbia expõe nove avaliações de carbono incorporado conduzidas em três edifícios de seu campus. Possivelmente a maior contribuição do estudo seja a de contribuir com uma metodologia replicável de avaliação. O relatório evidencia algumas variações conforme a ferramenta escolhida, dentre as três: Athena IE4B, One Click LCA e Embodied Carbon Calculator for Construction (EC3).

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Assessment results with a breakdown by building element. Image via UBC Embodied Carbon Pilot: Study of whole building life cycle assessment processes at the University of British Columbia

Para conduzir um LCA, o profissional deve primeiro ter total controle dos diferentes materiais e quantidades dos mesmos no edifício. Uma lista de materiais, em inglês chamada de Bill of Materials (BoM) é imprescindível, e várias decisões e premissas inerentes à sua criação contribuem para as variações nos resultados da LCA. Antes de conduzir a LCA, o praticante deve determinar o objetivo e o escopo da avaliação. Essas decisões iniciais definem o cenário para um processo bem-sucedido, delineando parâmetros claramente definidos, incluindo a meta, o escopo, o tempo e a fonte de dados da LCA.

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Orchard Commons at UBC was one of the buildings assessed by the embodied carbon research team. Image © Michael Elkan. Courtesy of naturallywood.com

Para uma avaliação completa em um WBLCA, geralmente uma ferramenta própria para a tarefa é utilizada, e informações de montagem (materiais, dimensões, geometria, etc.) são obtidas de um modelo BIM, inclusive com plugins já disponíveis para os softwares mais comuns. O objeto de avaliação inclui os principais elementos de construção, como a fundação (incluindo reforço de aço), construção de piso, vigas e colunas, coberturas de telhados e construção e revestimento de paredes externas. Ao lançar todas as informações no programa, é possível ter um panorama de quais elementos construtivos apresentam maior potencial de aquecimento global [Kg CO2 eq / m²], suas porcentagens do total e em qual Estágio do Ciclo de Vida da edificação ela está impactando mais o meio ambiente. Mas é fundamental que as informações sejam inseridas de forma consistente para alimentar a ferramenta de forma que possa gerar resultados confiáveis. A referida lista de materiais, ou BoM (quantidade estimada de materiais incluídos no escopo da construção, normalmente excluindo resíduos de subprodutos da construção) deve seguir um método, inserindo todas as informações necessárias para uma boa análise. A metodologia desenvolvida por meio do Embodied Carbon Pilot é explicada no Relatório "UBC EMBODIED CARBON PILOT: Bill of Materials Generation Methodology", que explicita claramente cada etapa.

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Orchard Commons UBC. Image © Michael Elkan. Courtesy of naturallywood.com

Se a análise pode ser feita durante a etapa projetual, fica muito mais fácil escolher opções conscientemente de seus impactos, e balancear o que for preciso para um projeto que ofereça o mínimo de malefícios ao meio ambiente. Calcular os impactos ambientais de um produto ou projeto em potencial tem a principal função de ajudar a identificar as oportunidades de redução e possibilidades de melhorias. E na indústria da construção civil isso é, cada vez mais, urgente.

Nota
[1] https://architecture2030.org/buildings_problem_why/

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Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Por que nós, arquitetos, devemos entender e nos preocupar com o carbono?" 12 Jun 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/959788/por-que-nos-arquitetos-devemos-entender-e-nos-preocupar-com-o-carbono> ISSN 0719-8906

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